A solitude que alimenta o ninho vazio.

No mês passado, falei sobre a dificuldade do casal em viver uma nova fase: o Ninho Vazio. Diversos comentários que recebi me levaram a pensar o quanto é uma fase difícil. Junto às mudanças da faixa etária – mulheres entrando no climatério –, novo momento do casal, transformação de ciclo profissional… Tempo de transformações intensas, especialmente para quem se dedicou quase que integralmente à família.

Toda essa reflexão só reforça em mim a convicção de que é importante ter um tempo para atividades exclusivamente minhas. Sei que, com filhos pequenos ou mesmo adolescentes, construção da vida financeira e tudo o mais que está em volta, a frase acima soa como mais uma cobrança entre tantas que as mulheres recebem. Só que essa demanda é da gente para a gente. E talvez por isso a cumpramos menos.

Cumprir o mínimo necessário do trinômio eu, eles/nós e a vida deveria ser mandatório. Para nossa saúde espiritual, mental, emocional e física. Dar um tempo para respirar fundo, se nutrir e reorganizar – que é como eu vejo o meu tempo só – se torna obrigatório quando pensamos em saúde. Com a saúde em equilíbrio, podemos nos entregar com maior propriedade às outras atividades. Afinal, ninguém oferece aquilo que não tem. Vida equilibrada gera atitudes equilibradas. O contrário também é verdadeiro.

O que entendo por atividades de prazer pessoal são atividades que alimentem nossa alma e corpo sem envolver o resto da família. Sim, um prazer só nosso, mulheres (cabe aqui uma explicação: esse conselho serve também aos homens, embora considere que eles usem desse direito com maior facilidade. Herança de uma cultura machista que lhes forneceu essa atividade, como direito e como normalidade). Podem ser atividades simples, como ir ao salão de beleza, sem pressa. Tomar um café ou almoçar com alguém que seja divertido e interessante ou, simplesmente, dormir até mais tarde.

Alimentar seu próprio ser é se tornar autossuficiente. Isso não tem nada a ver com egoísmo, se essa nutrição acontece equilibradamente com a dedicação à família e as responsabilidades associadas a elas. Reconhecendo o que é essencial dessa responsabilidade e o que seria bom, mas poderia ser deixado de lado. Às vezes movidas pela síndrome de mãe e mulher perfeita, fazemos além de nossa capacidade. Nesse momento, atentamos contra nossa saúde emocional, psicológica e até física.

Acredito que devemos aceitar o outro pela autossuficiência. Não pela dependência. Se saber autossuficiente é fundamental. Podemos estar melhores com os outros. Podemos preferir e adorar viver em comunidade. Mesmo assim, considero essencial para o equilíbrio se saber bem só. Muda a forma como nos relacionamentos com a vida. Quem é dependente costuma cobrar do outro a dedicação entregue. Isso não é justo. A carência gera cobrança, e isso cansa.

Quando me casei pela segunda vez – com meu atual marido e o companheiro da minha vida –, minha vida virou, de certa forma, do avesso. Tinha ficado, entre um casamento e outro, doze anos só. Independente, vivia minha vida conforme a queria. Salvo as responsabilidades empresariais e familiares com minha mãe, o que ditava minha rotina eram exclusivamente meus interesses. De repente, me vi imersa numa relação que me deixava tão feliz quanto… presa.

Presa pela minha própria vontade de estar o tempo todo ao lado do meu amor. Como se quisesse recuperar o tempo perdido, já que nos encontramos ao redor dos quarenta anos. Presa numa rotina que desconhecia e tomava boa parte do meu tempo: administrar uma casa com marido e dois filhos que moravam com ele. Filhos maravilhosos, devo dizer, mas que, mesmo sem ter essa intenção, demandavam atenção e cuidado.

Durante alguns anos, mergulhei nessa dinâmica que nunca acabava. Parecia que o tempo dedicado nunca era suficiente. Parecia que havia sempre uma falta, um erro, um “deveria ter sido”. Quem é madrasta sabe que o peso é maior. Logo cedo descobri que a sociedade não perdoa uma madrasta. Se você foi boa e leve, é porque eles não são seus filhos. Se você foi firme, é porque eles não são seus filhos. Há uma restrição social com alguém ocupar o espaço – e espaço aqui se refere ao trabalho, ao fazer – da mãe que gera. Tudo isso caiu sobre meus ombros e meus sentimentos ao aceitar o homem que amava.

Não foi fácil, mas tampouco foi tão difícil. Ter um companheiro que se abria ao diálogo, ter enteados bons, doces e amorosos ajudou muito. Estudar comportamento humano e fazer terapia por anos foi decisivo. Quem ficava na crítica era a sociedade, e sinceramente, para ela sempre soube criar cercas e distância. Num determinado momento, quando me percebi infeliz, entendi que tinha ido para o outro extremo. Da liberdade quase absoluta, tinha migrado para a entrega quase absoluta. Precisava buscar o equilíbrio

Como já disse antes, o equilíbrio não é um ponto fixo. Não é um lugar aonde se chega. É um estado constante de movimento. Assim, até hoje busco equilibrar o meu trinômio eu, eles/nós e a vida. Meus enteados partiram, e ficamos nós dois. Nova mudança, nova fase. Nova busca de novo equilíbrio. Só que, com a lição aprendida, o caminho é mais fácil.

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