Estava no meio de uma conversa dentro do meu apartamento quando a luz parou. Fazia algumas semanas que tínhamos ficado ficamos sem água no prédio onde moro em Lisboa. Foi no dia em que descobri que os prédios não têm caixa d’água e, quando há corte de água, a água para. Literalmente. Com essa experiência pensei, “hum, novamente Lisboa não se mostra tão distante assim do Brasil”. Continuei conversando. Mal sabia que viveria uma experiência especial naquele dia.
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No dia 28 de abril vivemos o dia em que a luz elétrica apagou em todo Portugal e Espanha e parte da França. Logo no início várias pessoas saíram às ruas e ficaram lá. Estava um dia lindo de sol e céu azul. Após algumas horas sem energia, vi uma mulher, provavelmente estrangeira, sair do prédio de alojamento de curta temporada em frente, com uma cadeira, e se sentar na calçada com um livro nas mãos.
Quando voltei à sacada vi uma cena que me encantou: sob a luz mágica do sol de Lisboa, na minha rua, uma típica rua lisboeta, havia grupos conversando sentados em cadeiras. Alguém tinha trazido vinho com copos, alguém compartilhou cerveja. Pessoas falando de uma janela para outra. Meu marido se divertindo olhando para um jovem que, sob a orientação e uma mãe que gesticulava como guarda de trânsito, não conseguia estacionar numa vaga de duas vezes o tamanho do carro dele. Coisas que uma cidade como Lisboa traz.
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Os chineses e asiáticos sabem fazer negócio: enquanto os portugueses fechavam as portas de suas lojas e restaurantes, eles levaram as mesas para fora e vendiam marmitas do almoço que tinham preparado. Venderam horrores, claro. Fomos comprar água numa portinha perto de casa onde um deles estava tão feliz que mostrava todos os dentes num largo sorriso.
Ao mesmo tempo, gente que está cada vez mais perdendo o bom senso. Vi pessoas passarem carregando compras e compras de suprimentos. Uma coisa é se precaver, outra é entrar na energia da escassez. Imediatamente após o apagão comecei a receber várias mensagens com diversas teorias da conspiração. Ataque cibernético, Putin e a China foram os mais mencionados, mas não os únicos. Realmente a sensação que tenho é de que uma parte da população simplesmente está perdendo a noção da realidade. É claro que isso pode acontecer. Meu ponto é que há pessoas que, talvez na ânsia de parecer mais inteligentes, mais bem informadas ou, quem sabe, se apresentar como aquela que “sacou” o que os outros ainda não; não só assimilam como disseminam informações sem nenhum critério nem lógica. Sem nenhum cuidado. Uma falta de autodomínio que chega a ser até patológico.
Eu li analogicamente, mas confesso que foi difícil de me concentrar. Tinha um mundo cheio de luz acontecendo do lado de fora: uma cidade que permite ficar na rua, conhecer alguém novo com tranquilidade, compartilhar um vinho e uma história, ver andorinhas voltarem para casa como sinal de que é hora de entrar em casa… Sinal que ninguém prestou atenção, mesmo quando a energia voltou.